Especialização Precoce X Promoção de atletas
A impressionante ascensão do voleibol brasileiro nas últimas
décadas, a constante reafirmação do nosso país como uma potência mundial e também
a expectativa pelos Jogos Olímpicos no Brasil trazem uma série de questionamentos
com relação ao investimento na modalidade, seja de ordem estrutural, envolvendo
políticas públicas, seja de ordem técnica, com relação à formação de grandes
atletas e treinadores.
Perguntamos a um de nossos professores e técnicos de voleibol, o Prof. Peterson Bristotte, sua opinião acerca do tema especialização precoce e promoção de atletas e você pode acompanhar aqui no nosso blog.
Boa leitura!
"Não pretendo aqui trazer inúmeras referências
especializadas, mas apenas tecer uma primeira reflexão acerca dos caminhos por que
nosso esporte pode enveredar.
Nós treinadores
formadores nas categorias de base frequentemente nos vemos frente a uma questão
bastante complexa embora elementar, que é a formação das equipes a cada temporada. A questão torna-se complexa na
medida em que cada entidade de prática desportiva tem uma filosofia de
trabalho, um orçamento e, por conseguinte, limitações. Muitas vezes não é possível
ter um plantel de catorze ou dezesseis atletas por categoria. Então temos que
recorrer à promoção de atletas: um atleta de determinada idade serve à sua
equipe e também à equipe imediatamente mais velha.
Nesse momento, o de escolher qual atleta será promovido, há
que se tomar cuidado.
Estaria o suposto atleta preparado para ser promovido?
O alto nível na categoria adulta em nossa modalidade
configura-se como um grupo de quatro a cinco atletas especialistas em quadra a
todo momento (há ainda alguns gurus que digam que os seis atletas em quadra são de
especialidades diferentes – os dois jogadores de ponta parecem se tornar cada
vez mais diferentes um do outro: um especialista na construção do jogo através
de bons passes e um outro especialista em “derrubar” as bolas, semelhante ao
oposto, outro especialista, mas que trabalha na outra extremidade da rede). Em
decorrência desta característica o treinamento em voleibol torna-se cada vez
mais especializado na medida em que o atleta ganha experiência e anos de prática.
Qual o momento de especializar? Existe um protocolo? Parece haver um consenso
na área da Educação Física de que a especialização no treinamento esportivo,
pelo menos na maioria dos esportes, deve começar em meados da puberdade,
variando um pouco de acordo com a modalidade, com base em muitos fatores que
envolvem o crescimento, a maturação, o desenvolvimento do atleta, seus aspectos
psicológicos, sociais, sua experiência, e muitos outros. No entanto, persiste o cenário. É
preciso promover um atleta para a categoria de cima. Logo se pergunta: “De qual
posição?”
Temos tido esta experiência ao longo dos anos e é justamente
este ponto que gostaria de compartilhar e refletir.
Nas categorias de base do voleibol (no estado de SP) há três
categorias com duração de apenas um ano até o sub 15. Em seguida, antes da
categoria adulta, mais três categorias (sub 17, sub 19 e sub 21), cada uma com
duração de dois anos. Nossas condições (em nosso clube, embora sejam excelentes) não nos permitem (ainda) ter um plantel completo
em cada categoria, mas isso não tem se configurado como um quadro ruim.
Detectamos com o passar dos anos que a promoção de atletas
com o devido cuidado tem contribuído para uma certa continuação do trabalho
proposto pelas comissões técnicas. Em resumo, nas categorias iniciantes (sub
13, sub 14 e sub 15) todos os anos um percentual dos atletas “sobe” de
categoria e um outro percentual se mantém na mesma categoria. Em um ano a
maioria dos atletas “sobe” e no ano seguinte a maioria dos atletas “fica”. Nas
categorias de aprimoramento esportivo (sub 17, sub 19 e sub 21) em um ano a
maioria dos atletas será “de primeiro ano” e no ano seguinte a maioria será “de
segundo ano”. Em alguns casos há ainda atletas da categoria “de baixo” sendo
promovidos e, portanto, pode haver em cada treino atletas com uma faixa de idade
com diferença de até três anos (tempo que na formação esportiva faz uma enorme diferença).
O trabalho da comissão técnica deve ser minucioso e
cauteloso: O TREINAMENTO NAS CATEGORIAS DE BASE NÃO PODE SER IGUAL PARA TODAS
AS IDADES. Se assim o for, estaremos jogando no lixo todas as comprovações
científicas que apontam os malefícios da especialização precoce. Surge o
paradoxo: o treinamento não pode ser igual, mas há atletas de três idades
diferentes treinando e competindo
juntos. O que fazer? PLANEJAMENTO.
Treino de bloqueio no sub 17? Ok. Como será
o treino dos atletas de 16 anos? Será o mesmo dos atletas com 15 anos? E os
promovidos do sub 15, com 14 anos? Será o mesmo treino que os meninos (ou
meninas) de 16 ou de 15 anos farão? A reposta é NÃO (e ainda, não entramos no mérito
de que o atleta promovido de categoria jogará duas competições! E o seu
descanso? Você pensou no descanso deste atleta? Uma reflexão para outro
momento, mas que não pode ser esquecida sobremaneira). Então surgirão questionamentos...
“Mas eles jogarão juntos!”, “Ah... mas na quadra ninguém quer saber se ele(a) tem
16, 15 ou 14 anos”. Verdade. Ninguém saberá. Ou quase ninguém. A comissão técnica
saberá. O técnico saberá. E isso é suficiente.
A promoção de atletas, portanto, não deve ser comparada à especialização
precoce. Mas a linha que divide estes dois conceitos é tênue. Se o processo de
promoção de atletas respeitar os princípios científicos do treinamento
esportivo em todas as suas esferas, ele poderá ser benéfico. Se o técnico
equacionar de forma adequada o treinamento, as instruções, a exigência de
compreensão e rendimento no jogo, sim, a promoção (de alguns atletas, não de
todos) poderá ser benéfica. Contudo, se a promoção de atletas não for um
processo muito bem planejado, se resultar em um mesmo treinamento, todo igual, para atletas de diferentes
idades, se a cobrança pela compreensão e pelo rendimento esportivo for igual
para todos, então ela será sinônimo de especialização precoce. Qual o problema
da especialização precoce? Não há um problema. Há inúmeros problemas, que
poderemos discutir em outra ocasião.
Finalmente, penso que o principal ponto desta reflexão
reside na altíssima responsabilidade que reside por trás das palavras “técnico”
e “comissão técnica”. Comete um crime aquele técnico que entende que somente o estudo (acadêmico ou informal) é suficiente, da mesma forma que aquele técnico que
julga que sua experiência basta e que não há necessidade de estudar está
equivocado. Ambos estão errados. Devemos buscar sempre experiência onde ela
reside e buscar também o conhecimento onde ele reside ao ponto de em algum
momento ser difícil discernir o que é somente conhecimento e o que é somente
experiência.
Lidamos diariamente com atletas que tem um sonho e que
buscam muitas vezes com todas as suas forças realizar este sonho. Lidamos com a
pressão de ter bons rendimentos em competições (que o digam os técnicos de
voleibol do estado de SP), revelar atletas para as seleções estaduais, para as
categorias mais velhas e muito mais... Mas antes de tudo isso lidamos com indivíduos
em formação. Antes
de treinadores ou técnicos, somos PROFESSORES".
Prof. Peterson
Bristotte é graduado em
Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP
(licenciado e bacharel em treinamento esportivo), especialista em Bioquímica,
Fisiologia, Treinamento e Nutrição Esportiva também pela UNICAMP, especialista
em Voleibol pela FMU/SP e técnico nível III membro do quadro nacional de treinadores da Confederação Brasileira de Voleibol. Na Hípica é técnico do sub 13, do sub 14 e do sub 15, assistente técnico do sub 17 e do sub 19 e coordenador de preparação física dessas categorias de base do voleibol
feminino e compõe a comissão técnica da modalidade em nosso clube desde 2007.
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