Alguns anos de prática no voleibol não como alteta profissional, mas como educador, observador e amante da modalidade, me permitiram estabelecer alguns princípios para a montagem de uma equipe de voleibol de alto nível. É preciso que se deixe bem claro que grande parte deste crédito é devido ao Prof. Ms. João Crisóstomo M. Bojikian, que partilhou todo seu conhecimento nos cursos para técnicos credenciados pela CBV e também no curso de pós-graduação em voleibol na FMU/SP, além de meus colegas de profissão e atletas da Sociedade Hípica de Campinas, especialmente ao excelente professor e técnico Lucas Lemos Graziadei. O texto que segue, espero que possa ser de alguma valia para todos os amantes e profissionais do vôlei no Brasil.
PRINCÍPIOS PARA MONTAGEM DE UMA
EQUIPE DE VOLEIBOL DE ALTO NÍVEL
Por Peterson Bristotte
Antes
se estabelecer os princípios para a montagem de uma equipe de voleibol de alto
nível é preciso que se esclareça qual sentido se atribui ao termo “alto nível”,
que poderá ser tanto o alto rendimento, sinônimo de profissionalismo nas
categorias adultas, quanto o alto nível de jogo, considerando o potencial que
determinada equipe possui, seja ela profissional ou não, adulta ou de formação/base.
Neste caso, devem-se considerar todas as particularidades que envolvem a equipe
em questão, que poderá trazer à tona o clichê “cada caso é um caso”. Tomaremos os dois sentidos nessa questão.
ALTO NÍVEL: SINÔNIMO DE PROFISSIONALISMO
Quando
se entende alto nível como sinônimo de profissionalismo a ser atingido na
categoria adulta alguns princípios particulares e muito importantes deverão ser
considerados. Seguem.
A
montagem de uma equipe de alto nível se inicia quando se identificam no grupo
de jogadores as características técnicas e o resultado esperado ao longo de uma
temporada ou de uma sequencia de temporadas. Nesse sentido, a formação de uma equipe
de alto nível baseia-se no planejamento e treinamento de longo prazo. Assim, uma
equipe de alto nível tomará anos para ser formada. Os objetivos devem ser
bastante claros, considerando-se a idade dos atletas e todas as características
que envolvem crescimento e maturação, além das particularidades de gênero, e
devem visar sua promoção para a próxima categoria de modo que se atinja o alto
nível posteriormente. A partir deste ponto
deve-se traçar uma linha de ações que garanta êxito na formação de jogadores
para o alto nível.
O
treinamento de longo prazo no voleibol deverá passar pela iniciação (sub 13),
que deverá incluir uma formação básica geral, passando posteriormente por uma
fase mais específica ou de especialização, que será composta inicialmente por uma
etapa de treinamento básico (nas categorias sub 14 e sub 15). Nessa etapa deve-se
priorizar o trabalho das habilidades motoras específicas em suas formas simples
de execução, a aplicação dessas habilidades no jogo, o prazer de treinar e
jogar, a motivação para a busca de bons desempenhos, a conscientização da
importância de se treinar frequentemente e bem e uma preparação física que vise
ao crescimento e desenvolvimento geral harmonioso e multilateral objetivando a
longevidade atlética do jogador.
Em
seguida haverá a etapa de treinamento de síntese/aprimoramento (nas categorias
sub 17 e sub 19). Nessa etapa o trabalho deverá objetivar o aperfeiçoamento das
formas de utilização das técnicas básicas, bem como da tática individual tendo
sempre como ponto principal a relação cognição-ação e a resolução de situações-problemas,
a criação de bases sólidas para futuras definições quanto às funções táticas e
o conhecimento da realidade do cotidiano da vida de um atleta de voleibol. Além
disso, deverá continuar constante o desenvolvimento do prazer de treinar e
competir, do espírito volitivo e também de uma preparação física básica que
garanta a sustentação para o alto rendimento. Nesse momento surgirá uma
variável tão nova quanto importante no processo: a decisão do atleta de
continuar a prática do voleibol para seu lazer ou para a preparação para alto
nível de rendimento.
Finalmente,
o processo de formação culminar-se-á na etapa do treinamento de transição para
o alto nível (nas categorias sub 21 e primeiros anos de adulto). A partir de
então o atleta estará preparado para o treinamento de alto nível, tendo-o como
sinônimo de alto rendimento. Nesse momento o trabalho deverá objetivar a
conscientização do atleta acerca dos efeitos dos diversos métodos de
treinamento no rendimento esportivo, bem como a capacidade de tolerância aos
mecanismos de pressão das grandes competições (regionais, estaduais, nacionais
e/ou internacionais) e, por fim, a consciência profissional para que se tenha uma
filosofia de vida voltada para a prática do esporte de alto rendimento.
ALTO NÍVEL: SINÔNIMO DE BUSCA POR EXCELÊNCIA
Ao
se entender alto nível como a busca pelo máximo potencial que determinada
equipe pode alcançar (inclusive ela sendo profissional de alto rendimento),
podem-se destacar alguns fatores, que seguem.
A
montagem da equipe de coordenação e da comissão técnica deverá levar em conta
todo o processo pelo qual a equipe passará, sendo preciso que absolutamente
todos os envolvidos tenham um conhecimento claro das metas do trabalho, seja
ele voltado para a formação de atletas, ou para o trabalho em apenas uma
temporada. Nesse sentido a busca por técnicos e coordenadores experientes e
experts é fundamental. De forma detalhada, deve-se considerar a experiência em “anos
de voleibol”, a formação acadêmico-científica, a capacidade de comando e
liderança, de trabalho em equipe, a disposição e disponibilidade,
responsabilidade, repertório técnico, influência e exemplo positivo, a iniciativa
para sempre buscar se atualizar e também a capacidade de se trabalhar sob
pressão.
Nas
categorias de base o processo de formação oferece inúmeras possibilidades que
deverão incluir a escolha da forma/método de treinamento, do sistema jogo em
função dos jogadores da equipe, da escolha dos jogadores para aplicar as
metodologias de treinamento e sistemas de jogo, concebidos pela coordenação
técnica visando à renovação da equipe ano a ano ou o suprimento da equipe
principal/acima.
No
quesito escolha de jogadores, devem-se considerar os aspectos morfológicos (estatura/altura
de alcance), as capacidades biomotoras (força, resistência, velocidade, etc), as
capacidades coordenativas (coordenação motora, equilíbrio, orientação,
velocidade de reação, noção de ritmo, etc), as capacidades psicológicas (perfil
psicológico), o número de jogadores na equipe, o volume de treinamento que será
proposto, a experiência anterior como jogador e os objetivos pessoais do
atleta.
Na
composição do grupo haverá também os jogadores titulares e os reservas. Os jogadores
titulares deverão ser os que apresentarem a maior experiência tanto na sua
categoria quanto na categoria acima, os maiores níveis de rendimento e as
características psicológicas mais adequadas. Os jogadores reservas serão os que
apresentarem ligeira desvantagem no nível de rendimento em relação aos
jogadores titulares, os que são caracterizados como futuros talentos por
apresentarem bom potencial físico, falta de experiência competitiva e/ou controle
emocional ou ainda que apresentem especialização tática ainda indefinida.
Na
montagem de uma equipe para uma partida é preciso que se tenha sempre em mente
a sequencia cíclica do voleibol. Trata-se da sequencia das ações que ocorrem no
jogo. A sequencia, que se inicia no saque, inicialmente é linear e segue pela
recepção do saque, passando pela preparação/iniciação ao ataque. A partir deste
ponto o jogo entra em uma sequencia cíclica propriamente dita: ataque,
cobertura/proteção de ataque, transição para defesa, bloqueio, defesa,
transição para o ataque e novamente ataque, reiniciando o ciclo até que o rally
seja interrompido, seja por êxito, por alguma falta ou erro cometido por alguma
das equipes.
Esta
dinâmica do jogo deve estar bastante clara bem como as seis passagens do
rodízio. Dessa forma, deve-se manter sempre o equilíbrio em todas as seis passagens
do rodízio. Este equilíbrio deve estar presente não somente em equipes
profissionais, mas em todas as equipes que buscam o alto nível, seja em
categorias de base ou em equipes adultas. Neste caso, o equilíbrio deve estar
na distribuição dos atletas em quadra, buscando dar o máximo potencial ofensivo
e defensivo à equipe em todas as seis passagens do rodízio.
Por
exemplo, uma estratégia muitíssimo utilizada em equipes de alto rendimento com
especialização de funções é a estratégia das diagonais. Essa estratégia mantém em
diagonal atletas que possuem características/funções semelhantes. Assim quando
um dos jogadores inicia sua passagem pelas posições da zona de ataque (quatro,
três e dois), o outro jogador de mesma função/característica inicia sua
passagem pelas posições da zona de defesa (um, seis e cinco). Desta forma
haverá sempre um especialista ou uma característica importante de um jogador
tanto nas posições de ataque quanto nas posições da zona de defesa.
Essa
mesma linha de raciocínio poderá ser utilizada em equipes que desejam alcançar o
alto rendimento, por exemplo, ao se posicionar alternadamente jogadores mais
experientes e menos experientes de forma que os jogadores mais experientes
ocupem as posições um, cinco e três e os menos experientes ocupem as posições
dois, seis e quatro. Assim, a maior qualidade técnica de um jogador poderá
compensar a menor qualidade técnica do jogador que estará ao seu lado. Um exemplo
bastante particular pode estar relacionado também à estatura dos atletas. É
bastante comum em equipes em que os levantadores sejam mais baixos, que um
jogador central bastante alto e jogue ao seu lado para que, de certa maneira, a
baixa estatura do levantador seja compensada no momento da composição de um
bloqueio duplo por esses jogadores.
Muitos
outros fatores também devem ser considerados no equilíbrio das passagens do
rodízio: parâmetros físicos como estatura, aptidão, velocidade, agilidade, etc.
No entanto, no voleibol, as funções táticas, como destacado inicialmente são
elementares para o equilíbrio na armação de uma equipe.
Qualquer
que seja o sentido atribuído, os princípios para a montagem de uma equipe de
voleibol de alto nível passarão obrigatoriamente pelo bom trabalho desde as categorias
de formação/base até que se chegue ao alto nível na categoria adulta e/ou
profissional.